A ciência já desvendou que o extrato dele serve para turbinar a imunidade.
Agora avançam as pistas de que ele poderá atuar contra o câncer
Na rotina agitada de uma colmeia, a saúde é uma das prioridades do grupo. Por isso, as abelhas gastam boa parte da sua energia coletando resinas na vegetação ao redor para produzir um poderoso remédio, a própolis. As operárias vedam todas as frestas com esse preparado para aproveitar o melhor de suas propriedades físicas e biológicas. A própolis isola o ambiente interno a fim de manter a temperatura ideal, impedir a entrada de vento e chuva e blindar a área contra bactérias, vírus e fungos capazes de colocar em risco a vida dos insetos.
O ser humano, esperto, notou há séculos que poderia tirar proveito do composto em nome do seu próprio bem-estar. Desde o Egito antigo ele é utilizado como antisséptico, no tratamento de feridas e inclusive na conservação dos corpos. O famoso ritual de mumificação, aliás, guarda semelhanças com o que é praticado ainda hoje pelos enxames. “Se não é possível remover uma abelha morta de dentro da colmeia, as outras a embalsamam para preservar a saúde de todas”, revela o biólogo e imunologista José Maurício Sforcin, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, no interior de São Paulo.
Mesmo com um histórico respeitável de uso, que lhe rendeu o posto de medicamento natural, a própolis só entrou pra valer na mira da ciência nos últimos 20 e poucos anos – e isso se deve, em parte, ao seu crescente apelo popular. O consumo mundial gira em torno de 2,3 mil toneladas por ano, de acordo com levantamento feito pela Market Research Future.
O Brasil ocupa um lugar de destaque nessa história. Somos o terceiro maior produtor da resina, atrás apenas da Rússia e da China. Aqui a produção de própolis dura o ano inteiro. Uma vantagem e tanto, se considerarmos que, em outros climas, as abelhas só fabricam o preparado no verão e na primavera. Além disso, uma das espécies de abelha mais comuns em terras brasileiras, a Apis mellifera, é uma excelente produtora e, de quebra, super-resistente.
O Brasil também é a bola da vez por causa das variedades que abriga e coloca no mercado: são 13 já catalogadas, divididas em três categorias até o momento. Além da clássica, de coloração marrom, existem as versões verde e vermelha, exclusivas daqui.
Cada tipo tem uma composição química distinta. “Por definição, própolis é um material que as abelhas produzem usando a própria cera e resinas de diferentes plantas”, descreve o biólogo Masaharu Ikegaki, professor da Universidade Federal de Alfenas, em Minas Gerais. Ou seja, o que muda na constituição são os ingredientes obtidos na vegetação próxima às colmeias. Desse modo, a diversidade botânica faz com que as propriedades terapêuticas variem de uma versão para outra.
Se você já usou própolis alguma vez na vida (seja via spray, seja por gotinhas diluídas em água), é bem provável que tenha sido para aliviar alguma dor ou infecção na garganta. E tem fundamento. Estudos clássicos da década de 1990 mostraram que a substância combate bactérias responsáveis por doenças nas vias respiratórias. Até as bactérias do estômago saem perdendo. Um experimento feito por cientistas turcos ano passado constatou que o extrato de própolis é capaz de inibir o crescimento da Helicobacter pylori, causadora de gastrite, úlcera e câncer de estômago.
O poder antimicrobiano dessa resina brilha também contra a cárie dental. Em alguns trabalhos, ela inclusive superou estratégias convencionais para coibir a reincidência da bactéria. “A própolis controla o micro-organismo inibindo os chamados fatores de virulência, isto é, os polissacarídeos, que colam a placa bacteriana, e os ácidos, que desmineralizam o dente”, explica o farmacêutico Pedro Luiz Rosalen, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Assim, a prevenção do problema tende a ser mais duradoura.
O uso da própolis sobre a pele é outra aplicação das antigas que deixou de ser considerada mera simpatia de vovó. Em estudo realizado com pessoas internadas na Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, no interior paulista, um gel à base da resina se mostrou bastante proveitoso para a recuperação da pele.
Na experiência, o produto desenvolvido pela farmacêutica Andresa Berretta, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa Apis Flora, foi comparado com uma pomada tradicionalmente empregada em queimaduras. Ao final, o gel de própolisobteve o menor tempo de cicatrização. “Ele apresenta um potente efeito analgésico, anti-inflamatório e cicatrizante”, resume Andresa. A renovação mais rápida da derme é atribuída aos flavonoides do composto, que contraem o espaço da lesão e estimulam a formação de novas células.
Por falar em pele, aqueles hóspedes indesejados que adoram se instalar nela e em outros tecidos do corpo, os fungos, que se cuidem. Surgem novas evidências de que a própolis bota esses micro-organismos para correr. Em análises de laboratório, pesquisadores do Irã testaram a resina ante outros extratos herbais e antibióticos em amostras de cândida, fungo reconhecido por encrencas na pele, na boca e na vagina. O saldo foi positivo para a própolis, embora ainda seja preciso validar os resultados em seres humanos.
Até pouco tempo, os cientistas não sabiam como a própolis derrotava esse bando de micróbios. Mas uma descoberta brasileira esclareceu parte da questão. Ao colocar o produto das abelhas em contato com exemplares de cândida, um grupo de pesquisadores de várias instituições observou que ele induz a apoptose (uma espécie de suicídio) das células do fungo. Em outras palavras, a própolis ativa uma armadilha para o inimigo não se alastrar.
Os compostos fenólicos presentes na resina, em especial os flavonoides, merecem destaque no papel de prevenção e combate a inflamações e infecções. Isso porque anulam radicais livres, moléculas que, em excesso, fragilizam o organismo. Todos os tipos de própolis possuem essa ação antioxidante, mas a carga das substâncias pode variar bastante de um tipo de extrato para outro.
No páreo entre as variedades conhecidas, a própolis verde é a que mostrou ter o maior potencial antioxidante até o momento. Talvez isso explique um achado recém-divulgado por estudiosos da Universidade de Kyushu, no Japão, e do Hospital da Província de Qinghai, na China. A própolis verde brasileira, como é conhecida internacionamente, seria capaz de proteger os neurônios. Ao reduzir o estresse oxidativo no cérebro, levanta-se a hipótese de que ela ajude a nos resguardar de males como o Alzheimer.
Defesas turbinadas
De fato, uma das proezas mais estudadas das própolis marrom, verde e vermelha é a capacidade de impulsionar o sistema imune. Não existe um consenso sobre qual componente é responsável por isso, mas tudo leva a crer que ocorre uma interação entre um mix de substâncias da resina e dois tipos de células de defesa, os macrófagos e os neutrófilos, que fazem uma faxina pelo organismo. “As pesquisas mostram que há um aumento na produção de anticorpos e da atividade de células envolvidas na resposta imunológica em animais e seres humanos”, conta o professor Sforcin.
Esse apoio à imunidade tem outra atuação nada desprezível. O extrato de própolis apresenta propriedade anti-inflamatória sem os efeitos colaterais dos medicamentos para essa finalidade. “É uma ação diferente de tudo que está no mercado hoje”, afirma Rosalen. “Quem tem artrite reumatoide ou lúpus, por exemplo, não pode utilizar anti-inflamatórios por tempo prolongado devido ao risco de problemas renais, gástricos… A própolis poderá ser uma alternativa no futuro.” É claro que as pesquisas nesse contexto precisam avançar muito antes de o composto virar prescrição médica. Mas os resultados até aqui animam.
Fonte: Revista Saúde
http://saude.abril.com.br/alimentacao/o-que-e-propolis-beneficios/